domingo, 4 de setembro de 2011

Aula do dia 31/08/2011 - transcrita pelo colega Josuel Junior

A aula teve início com uma discussão acerca da proposta que será executada pela turma ao final do semestre.

Temos todos o seguinte desafio: materializar a ideia sobre a montagem em sinopse de uma página para a próxima aula. Primeiramente, será importante a definição do estilo. Esse estilo não necessariamente tem que ser pensado dentro de uma encenação conjunta, pois somente depois do processo em andamento, as questões estruturais da/das apresentação/apresentações serão fechadas.

Marcus salientou que num processo de pesquisa, mesmo com cunho prático, é preciso se familiarizar com as fontes do tema. O diálogo e contato com os processos de pesquisa deverão ser conduzidos entre a prática aplicada de acordo com uma bibliografia específica. Corrigir abstrações e estruturar os conceitos, devaneios, afãs em materialidades/ materializações ajudara a compreender melhor o trabalho individual e coletivo (de acordo com a realidade da turma).

Dentro da pesquisa monográfica, deve ser primeiramente a bibliografia primária e só depois os comentários sobre o objeto de pesquisa. É claro que se o foco da pesquisa for justamente os “comentários” sobre um tema ou objeto, aí sim a metodologia poderá ser acatada.

Algumas discussões sobre a pesquisa em prol de um conceito/produto surgiram e Marcus e os colegas de turma deram início a um diálogo. Dentre as conversas, vimos que em arte há uma combinação de pesquisa bibliográfica e etnográfica. Se o autor for pesquisar um grupo de teatro, o trabalho será mais bem executado se combinar o material de texto, vídeo, etc. com sua vivência com o grupo pesquisado. Sua observação pode ser de observação dos processos ou de observação participativa.

Se o autor sentir dificuldade de pesquisar sua própria participação nos processos, aconselha-se a pesquisar o processo dos outros.

O professor Marcus Mota deixou claro que o que já estamos realizando em sala de aula faz parte do processo criativo e lançou algumas questões:

Quando eu leio um texto eu explico o texto ou eu tento ver novas formas de entendimento sobre ele? Entender termos e conceitos é leitura prévia. Depois deve-se ter uma leitura mais analítica, e citou exemplos:

1 – Leitura de reconhecimento – Entender o texto;

2 – Leitura aprofundada Entender como ele se organiza. Entender sua poética – como o que estamos fazendo com a obra de Platão.

O texto já possui conteúdo e organização. Já possui sua própria poética e organização. Nosso trabalho é encontrar na obra esses elementos e, para isso, é preciso compreender os referentes mínimos do texto.


1º Nível – Reconhecimento

2º Nível – Organização; como ele está colocado. O que é.

3º Nível – Aplicação. O que fazer com tal conhecimento? Colocar o que foi lido aos critérios da pesquisa do leitor: Uso isto para aquilo.


O texto já é encarado como um obstáculo artístico, mas é possível usá-lo ao seu favor. Uma coligação.

Quando se lê uma obra, o leitor a lê do seu jeito, mas não pode esquecer que o livro já existe, que já foi registrado. Neste momento discutimos sobre a apropriação do leitor ao conteúdo da obra e foi lembrado que para desconstruir é preciso primeiramente construir ou entender um conceito/linguagem. A desconstrução só é opção quando se tem uma tradição.

Sobre o trabalho de pesquisa e realização de montagem de obra artística no Brasil, foi preciso um passeio rápido pela história do país para entender melhor o fazer teatral, principalmente o do final do século XX e início do século XXI. O Brasil é um país em que a metrópole veio com para a sua colônia e os menos favorecidos tinham como uma curiosa ideologia querer ser parecidos com os superiores – os inimigos. Aqui o paradigma textualista era muito forte graças ao sistema europeu, porém, o país se acostumou ao abstracionismo, talvez um dos principais fatores desta constatação no século XX foi a repreensão da ditadura militar. Era preciso sair do texto e usar metáforas para se comunicar, para passar uma mensagem a algum público.

Em finais dos anos 1990 veio, segundo colocação irreverente de Marcus Mota, a “volta do texto”, mas ele tinha ido embora? – Esta foi sua indagação, seguida de sua constatação de que as linhas de trabalho no teatro, por vezes, seguem uma tendência, uma moda. Nas seguintes datas hipotéticas, de acordo com vivência e experiência do professor, aconteceu uma série de transformações e preferências nas formulações de estéticas aplicáveis ao trabalho artístico:

O “regresso” do texto no Brasil – Finais de 1990

O “boom” dos Musicais – Começo dos anos 2000

Preferências por Manifestações Populares – 2003

Tecnologias do Teatro – 2006

Marcus lembrou que hoje não somos mais reféns do pensamento de que o “Teatrão” é ruim e de o bom espetáculo é aquele que ninguém vai, pois só agrada a uma minoria de intelectuais e colegas de trabalho – dicotomia, claro. Lembrou também que falta de domínios não é passadismo, não é tradicionalismo e que é preciso estudar o referencial, rever, pensar novas alternativas de um texto clássico. Para que esse texto clássico possa de se tornar “encenável” ele precisa dialogar com o artista, com a sociedade e com o aqui-agora.

Ao buscar em textos antigos a inspiração pra seu trabalho, o artista-pesquisador estará desconfiando do seu presente. Não é apenas mergulho no passado, mas é uma forma de se problematizar a relação do artista com o seu tempo. Como uma espécie de desafio antropológico. Um outro olhar sobre sua própria cultura. O Artista pesquisador é aquele que questiona não apenas a obra que vai pesquisar, mas em qual livro a encontrou, se este livro é a sua melhor edição - Detalhes que fazem toda a diferença.

Tais desafios problematizam o intérprete, mas isso dará estímulo ao processo criativo.

Falando sobre processo criativo, Marcus nos ajudou a perceber a existência da musicalidade latente a obra de Platão e colocou em discussão um novo elemento para composição de linha dramatúrgica: o Som. Dando alguns exemplos, Marcus nos lembrou que nos estimulamos mais quando pensamos a partir do som e, num exemplo simples, contextualizou sua incitação: “O som a gente sente em 360º, A visão só em 180º”. Tudo isso foi percebido porque foi encontrada certa musicalidade na obra.

Não somos educados a pensar a partir do sim. Os gregos já propunham isso - Basta se lembrar da tradição de cantos e contos das batalhas gregas que viraram obras literárias, como as de Homero.

Após esta introdução da aula, dói dada continuidade à discussão sobre o texto de Platão.

O Banquete, um drama controlado, com longos discursos apresenta a visão platônica que tem por tendência autenticar o conhecimento. A festa da obra não acontecia em honra de Sócrates, porém, ele rouba o foco dela. É como se o banquete fosse uma celebração ao conhecimento de Sócrates.

O discurso de Platão elimina o diferente, confirmando que a filosofia foi desenvolvida por m grupo minoritário. A alusão mais coesa sobre o trabalho e ação desta elite foi colocada em sala de aula. Refletimos a organização de quem detém os poderes sobre o povo através do exemplo do julgamento de Jaqueline Roriz, deputada brasiliense que cometeu crime gravado e comprovado. No caso de seu julgamento, uma minoria, uma elite intelectual, a julgou inocente. Esta elite intelectual, como na antiga Grécia, discute e reforma suas idéias em nome do povo, mas acaba sendo um discurso contra a democracia, pois diziam (e dizem) que o que decidem é pelo povo, mas é para sua própria necessidade particular ou de sua corte.

As consequências do pensamento platônico para o ocidente culminou em um grupo reformador que decide o que é certo ou errado, excluindo o diferente.

Mais exemplos foram colocados em discussão no decorrer da aula. Os temas discutidos em O Banquete são como uma lógica de coesão do grupo. O Amor falado por eles é diferente do amor pregado por Jesus de Cristo, por exemplo, Não é o amor a todos, mas o amor aos seus, ao grupo, à corte, aos familiares, a quem está próximo, diferente do pensamento cristão, que pregava a então “absurda” ideia de amor a todos.

Esta elite apresentada em OBanquete partilhava de valores na forma da competição. Quando os melhores se encontravam, a graça era perceber que, dentre eles, era o melhor dos melhores. Uma disputa da demonstração. Isso faz entender melhor a eterna busca pela Fama, nos tempos atuais. A projeção de uma pessoa sobre os vários outros mortais da terra. E O Banquete era um elogio a esse modo de pensar, agir e viver.

A visão do filósofo que vive trancado é uma visão da renascença... Na Grécia o pensamento dos intelectuais era constantemente compartilhado e discutido. Sócrates e suas idéias salientam essa vontade em discutir novos conceitos.

A bebida era fundamental nesses encontros.. Falam também da capacidade de se agüentar o efeito do vinho, numa espécie de competição de habilidades de quem não agüentaria mais e mais doses.

Durante o discurso, textos são citados, como os de Homero. Todo o texto de O Banquete é feito de outros textos.

Compreendendo a estética da obra, torna-se mais fácil compreender sua própria poética.

E a relação homossexual, que, volta e meia, era colocada em questão em diversos pontos do texto? Marcus Mota explicou que na obra realmente há uma alusão à homossexualidade, porém, é salientou que a homossexualidade na Grécia Antiga aconteciam em ocasiões excepcionais, como nas guerras, já que se combatiam em duplas por longos períodos e por uma elite que podia tudo, entre ricos. Entre os cidadãos que não pertenciam a essas classes, a homossexualidade não era tão bem aceita.

A história da humanidade, de acordo com exemplo dado por Marcus, se resume numa curiosa constatação: Gente fazendo porcaria e gente tentando corrigir a porcaria dos outros, o que segue até os dias de hoje.

Em O Banquete, cada um deveria fazer um discurso ao Amor. O melhor seria acatado, porém, é um discurso fora do tempo e do espaço, projetado para além. (se formos pensar em cronologia lógica de uma festa).

Será possível conseguir alcançar o limite abstrato de tempo e espaço numa encenação? Isto veremos no decorrer da disciplina.

A palavra Belo tinha um outro sentido na antiguidade. Belo era como algo bom – que atingisse as pessoas. Questionava-se tudo tendo o uso da palavra “Belo” entre as discussões. Se o discurso fosse bonito, o que seria discutido posteriormente é se ele seria facilmente encaixado na realidade, nas situações concretas da vida. Por isso, Sócrates “ganha” em conceito, pois ele não apenas propôs, mas incitou o grupo a agir através de situações concretas. Ele, de certa forma, criou uma crise de valores na sociedade.

Fala-se também em O Banquete sobre o Amor, mas não o amor celeste, mas também o amor carnal. Não existia na antiguidade UNIDADE-TEMA – Por mais que você tivesse um tema, você falava de várias outras coisas. A nossa lógica é a de síntese e foco. A deles era a de agregação e acumulação de informações. Eles trabalhavam muito com variação, embora o eixo temático fosse o amor. Talvez por isso, às vezes, o texto parece não seguir uma lógica de raciocínio contínua. A unidade do discurso não estava propriamente na fala, mas em QUEM fala.

O professor reforçou que é possível usar um texto conceitual e fazer ele materializar-se de diversas formas. E lançou mais uma pergunta: Consigo transformar um texto conceitual num discurso dramático?

Dentro do trabalho que executaremos deu também algumas sugestões, como a de trabalharmos pensando na sedução do espectador, tal quais os homens reunidos em O Banquete faziam para defenderem suas idéias e conceitos. O erotismo também pode ser trabalhado, nas devidas proporções do que pode vir a ser este processo de disciplina. Numa metáfora, ainda foi colocado que amamos aqueles que nos conquistam. Porque não conquistar o nosso público?

Uma coisa curiosa sobre O Banquete é que nele homens viris, másculos estavam sentados em luxuosas poltronas para falarem de amor. Isso é uma antítese interessante (se é que pode ser considerada uma antítese).

Como alguém se transforma no amador de alguém? Nossa relação com a plateia pode ser sim uma relação de sedução.

Uma colega citou que com atores acontecem muito o que aconteciam com os filósofos em O banquete... Um queria ser melhor do que o outro, numa manifestação egóica.

Após o intervalo, discutimos o texto de J. Kennedy – Ele dividiu o texto de Platão em linhas e colunas e percebeu que havia uma certa harmonia de acordo com o enredo. Em momentos desarmônicos, percebeu que louvores, situações positivas não eram utilizados. Isso o fez dividir a obra entre pontos positivos e pontos negativos.

Pontos positivos: Altamente valorizados no platonismo, ou por louvor ao Amor.

Pontos negativos: A linguagem é usada para promover desarmonia social.

Após longa pesquisa, entendeu que a média de letras por linha, dentro das primeiras edições em rolos realizadas na Grécia, era a de 35 caracteres, tendo como base os poemas de Homero. Com isso constatou que Platão seguiu a risca este “padrão” para compor sua obra. Kennedy dividiu o livro em 12 partes. As metades eram geralmente o clímax das histórias. Numa parte os louvores, fatos positivos e em outra parte as desventuras, fatos negativos.

Trazendo essa metodologia de edição literária para uma estrutura e organização dramática, teríamos cada um cerca de 05 minutos de performance. Esses cinco minutos, caso sigam a divisão dos 12, teriam 12 partes fracionadas de 42 segundos, cada, para realizarmos o trabalho. Claro que, neste primeiro momento, são exemplos abertos, pois pode ser que uma performance tenha 10 minutos e a outra seis minutos.

Estamos acostumados com três tipos de estruturas de dramaturgia:

Contínua – Começa aqui, termina ali (Como nas novelas de TV);

Descontínua –Começa aqui, tem partes aleatórias;

Fragmentada – Onde para contar uma história não necessariamente precise iniciar do começo e terminar com o fim.

Se fossemos colocar uma matemática de composição da nossa performance final, podemos seguir a lógica de estruturação de acordo com os picos da dramaturgia entendidos por Kennedy:

1 – Um fator comum / 2 – Fator comum desaparece / 3 – Volta o fator comum/ 4 – Continua o fator comum/ 5 – Fator comum desaparece/ 6 – Fator comum volta e acontece o ápice, pois é metade da estrutura/ 7, 8 e 9 – continua o fator comum/ 10, 11 e 12 o fator comum está ausente... para entender melhor ver quadro no texto de Kennedy http://personalpages.manchester.ac.uk/staff/jay.kennedy/Kennedy_Visual_Intro.pdf

Essa estrutura surpreende o público por não deixar explícitas as ordens e relevâncias dos acontecimentos e fazem com que se encerre sem uma aparente conclusão – como na obra O Banquete.

Que tal se em vez de pensar num tema, pensarmos na organização/estrutura na qual ele será encaixado? São outras possibilidades dramatúrgicas.

Marcus reforçou que é extremamente importante nos enxergarmos como condutores do processo. A simulação de um processo criativo JÁ É o processo criativo.

Para a próxima aula (15/09) temos que apresentar em uma folha A4 o release do que pensamos para nossa cena/performance/quadro e defender e discutir coletivamente em sala de aula a nossa proposta.

Para encerrar a aula, mais umas provocações de Marcus...

Como transformar este caos em algo inteligível?

A gente pensa tudo ao mesmo tempo agora, mas quando for realizar, é uma coisa de cada vez.

É preciso que você sonhe muito para realizar o suficiente.

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